FALE SOBRE A
PLURALIDADE DE CULTURAS E O PAPEL DO EVANGELHO
EUGENIA GOMES DA SILVA
EUGENIA GOMES DA SILVA
INTRODUÇÃO
Novas situações culturais, novos campos de
evangelização
O processo
de encontro e comparação com as culturas é uma experiência que a Igreja viveu
desde os começos da pregação do Evangelho » (Fides et Ratio, n. 70),
pois « é próprio da pessoa humana necessitar da cultura para chegar a uma
autêntica e plena realização » (Gaudium et Spes, n. 53). Também a Boa
nova que é o Evangelho de Cristo para todo homem e para o homem todo, o qual «
é simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido » (Fides et
Ratio, n. 71), chega até ele na sua própria cultura, que impregna a sua
maneira de viver a fé e ao mesmo tempo é progressivamente por ela modelada. «
Hoje, à medida que o Evangelho entra em contato com áreas culturais que
estiveram até agora fora do âmbito de irradiação do cristianismo, novas tarefas
se abrem à inculturação » (Fides et Ratio, n. 72). E, ao mesmo tempo,
culturas tradicionalmente cristãs ou impregnadas de tradições religiosas
milenares se encontram abaladas. Por isso, trata-se não somente de justapor a
fé às culturas, mas também de dar nova vida a um mundo descristianizado no qual
muitas vezes as únicas referências cristãs são de ordem puramente cultural.
Estas novas situações culturais através do mundo apresentam-se à Igreja, no
limiar do terceiro milênio, como novos campos de evangelização.
Diante destes desafios da « época em que vivemos,
ao mesmo tempo dramática e fascinante » (Redemptoris Missio, n. 38), o
Conselho Pontifício da Cultura gostaria de partilhar um conjunto de convicções
e de propostas concretas, fruto de numerosos contatos, principalmente graças a
uma cooperação fecunda com os bispos, pastores das dioceses, e os seus
colaboradores neste campo apostólico, em vista de uma renovada pastoral da
cultura como lugar de encontro privilegiado com a mensagem de Cristo. Pois
todas as culturas « são um esforço de reflexão sobre o mistério do mundo e, em
particular, sobre o mistério do homem: é uma maneira de dar expressão à
dimensão transcendente da vida humana. O âmago de cada cultura é constituído
pela sua aproximação ao mistério mais excelso: o mistério de Deus ».(1) Daqui a
importância decisiva de uma pastoral da cultura: « uma fé que não se torna
cultura é uma fé não de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada e nem com
fidelidade vivida ».(2)
O Conselho Pontifício da Cultura quer assim acatar
as questões prementes que lhe endereçou o Papa João Paulo II: « Deveis ajudar a
igreja a responder a estas questões fundamentais para as culturas atuais: como
é que a mensagem da Igreja é acessível às novas culturas, às formas atuais da
inteligência e da sensibilidade? Como é que a Igreja de Cristo pode fazer-se
compreender pelo espírito moderno, tão orgulhoso com as suas realizações e ao
mesmo tempo tão inquieto com o futuro da família humana?
I FÉ E CULTURA:
LINHAS DE ORIENTAÇÃO
Mensageira de Cristo, Redentor do homem, a
Igreja em nosso tempo tomou uma consciência renovada da dimensão cultural da
pessoa e das comunidades humanas. O Concílio Vaticano II, em particular a
Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje e o Decreto sobre a
atividade missionária da Igreja, os Sínodos dos Bispos, sobre a evangelização
no mundo moderno e sobre a catequese em nosso tempo, prolongados pelas
Exortações apostólicas Evangelii Nuntiandi de Paulo VI e Catechesi
Tradendae de João Paulo II, propõem a este respeito um rico
ensinamento, particularizado pelas Assembléias especiais sucessivas, continente
por continente, do Sínodo dos Bispos e as Exortações apostólicas pós-sinodais
do Santo Padre. A inculturação da fé foi objeto de uma profunda reflexão por
parte da Pontifícia Comissão Bíblica (4) e da Comissão Teológica
Internacional.(5) O Sínodo extraordinário de 1985, por ocasião do vigésimo
aniversário da conclusão do Concílio Vaticano II, retomado por João Paulo II na
encíclica Redemptoris Missio, apresenta-a como uma « íntima
transformação dos valores culturais autênticos, pela sua integração no
cristianismo, e o enraizamento do cristianismo nas várias culturas » (n. 52). O
Papa João Paulo II, em vários discursos feitos nas suas viagens apostólicas,
bem como as Conferências gerais do Episcopado latino-americano em Puebla e
Santo Domingo,(6) atualizaram e particularizaram esta nova dimensão da pastoral
da Igreja em nosso tempo, para ir ao encontro dos homens na sua própria
cultura.
Um exame atento dos diferentes campos culturais
propostos neste documento mostra a vastidão do que representa a cultura,
este modo particular pelo qual os homens e os povos cultivam a sua relação com
a natureza e com os seus irmãos, consigo mesmos e com Deus, a fim de chegar a
uma existência plenamente humana (cf. Gaudium et Spes, n. 53). Não
há cultura que não seja do homem, pelo homem e para o homem. Ela é toda a
atividade do homem, a sua inteligência e a sua afetividade, a sua busca de
sentido, os seus costumes e as suas referências éticas. A cultura é tão natural
ao homem, que a sua natureza não tem nenhum aspecto que não se manifeste na sua
cultura. A missão de uma pastoral da cultura é restituir ao homem a sua
plenitude de criatura « à imagem e semelhança de Deus » (Gn 1, 26),
subtraindo-o à tentação antropocêntrica de se considerar independente do
Criador. Conseqüentemente, e esta observação é essencial para uma pastoral da
cultura, « não se pode negar que o homem sempre existe dentro de uma cultura
particular, mas também não se pode negar que o homem não se esgota nesta mesma
cultura. De resto, o próprio progresso das culturas demonstra que, no homem,
existe algo que transcende as culturas. Este algo é precisamente a natureza do
homem: esta natureza é exatamente a medida da cultura, e constitui a condição
para que o homem não seja prisioneiro de nenhuma das suas culturas, mas afirme
a sua dignidade pessoal pelo viver conforme à verdade profunda do seu ser » (Veritatis
Splendor, n. 53).
A cultura, na sua relação essencial com a verdade e
com o bem, não brotará apenas da fonte da experiência das necessidades, dos
centros de interesse ou das exigências elementares. « A dimensão primeira e
fundamental da cultura é a sã moralidade: a cultura moral ».(7) « Na verdade,
quando as culturas estão profundamente radicadas na natureza humana, contêm em
si mesmas o testemunho da abertura, própria do homem, ao universal e à
transcendência » (Fides et Ratio, n. 70). As culturas, marcadas na sua
própria tendência de realização pela dinâmica dos homens e da sua história (cf. Ibid.,
n. 71), partilham também do seu pecado, e requerem, por isso, o necessário
discernimento dos cristãos. Quando o Verbo de Deus assume na Encarnação a
natureza humana na sua dimensão histórica e concreta, excetuado o pecado (Hb4,
15), ele a purifica e a leva a sua plenitude no Espírito Santo. Ao se revelar,
Deus abre o seu coração aos homens, « por meio de ações e palavras intimamente
relacionadas entre si » e lhes faz descobrir na sua linguagem de homens os mistérios
do seu Amor, « para os convidar e admitir a participarem da sua comunhão » (Dei
Verbum, n. 2).
A Boa Nova do Evangelho para as culturas
Para se revelar, entrar em diálogo com os
homens e chamá-los à salvação, Deus escolheu, na rica variedade das culturas
milenares nascidas do gênio humano, um Povo cuja cultura originária Ele
penetrou, purificou e fecundou. A história da Aliança é história do
surgimento de uma cultura inspirada pelo próprio Deus ao seu Povo. As Sagradas
Escrituras são o instrumento querido e utilizado por Deus para se revelar, o
que a eleva a um plano sobrenatural. « Para escrever os Livros Sagrados, Deus
escolheu homens, que utilizou na posse das faculdades e capacidades que tinham
» (Dei Verbum, n. 11). Na Sagrada Escritura, Palavra de Deus, que
constitui a inculturação originária da fé no Deus de Abraão, Deus de Jesus
Cristo, « as palavras de Deus, expressas em línguas humanas, tornaram-se
intimamente semelhantes à linguagem humana » (Ibid., n. 13). A mensagem
da Revelação, inscrita na História sagrada, apresenta-se sempre revestida de um
invólucro cultural do qual ela é indissociável, pois ela é sua parte
integrante. A Bíblia, Palavra de Deus expressa na linguagem dos homens,
constitui o arquétipo do encontro fecundo entre a Palavra de Deus e a cultura.
A este propósito, a vocação de Abraão é
significativa: « Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai » (Gn 12,
1). « Foi pela fé que Abraão, respondendo ao chamado, obedeceu e partiu para
uma terra que devia receber como herança, e partiu sem saber para onde ia. Foi
pela fé que residiu como estrangeiro na terra prometida, morando em tendas...
Pois esperava a cidade que tem fundamentos, cujo arquiteto e construtor é o
próprio Deus » (Hb 11, 8-10). A história do Povo de Deus começa por
uma adesão de fé que é também uma ruptura cultural para culminar na Cruz de
Cristo, também uma ruptura, elevação da terra, mas simultaneamente centro de
atração que dirige a história do mundo para o alto e congrega na unidade os
filhos de Deus dispersos: « Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a
mim » (Jo 12, 32).
A ruptura cultural pela qual se inaugura a vocação
de Abraão, « Pai dos crentes », traduz aquilo que ocorre no mais profundo do
coração do homem quando Deus irrompe na sua existência, para se revelar e
propor-lhe o empenho de todo o seu ser. Abraão é espiritualmente e
culturalmente desenraizado para ser, na fé, plantado por Deus na Terra
Prometida. Esta ruptura sublinha a fundamental diferença de natureza entre a fé
e a cultura. Ao contrário dos ídolos que são o produto de uma cultura, o Deus
de Abraão é o Totalmente Outro. É pela Revelação que Ele entra na vida de Abraão.
O tempo cíclico das religiões antigas teve o seu fim: com Abraão e o povo judeu
começa um novo tempo que se torna a história dos homens em marcha para Deus.
Não é mais um povo que fabrica para si um deus, é Deus que dá origem ao seu
Povo, tornando-o Povo de Deus.
A cultura bíblica ocupa um lugar único: cultura do
Povo de Deus, no coração do qual Ele se encarnou. A Promessa feita a Abraão
culmina na glorificação de Cristo crucificado. O Pai dos crentes, aspirando
pelo cumprimento da Promessa, anuncia o sacrifício do Filho de Deus sobre o
madeiro da Cruz. No Cristo que vem recapitular o conjunto da criação, o Amor de
Deus chama todos os homens a partilhar da condição de filhos. O Deus Totalmente
Outro se manifesta em Jesus Cristo como Totalmente Nosso: « O Verbo do Eterno
Pai, tomando a fraqueza da carne humana, se tornou semelhante aos homens » (Dei
Verbum, n. 13). A fé também tem o poder de atingir o coração de toda
cultura, para purificá-la, fecundá-la, enriquecê-la e dar-lhe a possibilidade
de se desenvolver à medida sem medida do amor de Cristo. Cristo cria uma
cultura cujos dois constitutivos fundamentais são, a um título totalmente novo,
a pessoa e o amor. O amor redentor de Cristo revela, para além dos limites
naturais das pessoas, o seu valor profundo, que desabrocha sob o regime da
Graça, Dom de Deus. Cristo é a fonte desta civilização do amor, da
qual os homens carregam a nostalgia, depois da queda original no jardim do
Éden, e que João Paulo II, depois de Paulo VI, não cessa de nos convocar a realizar
concretamente com todos os homens de boa vontade. Porque o compromisso
fundamental do Evangelho, isto é do Cristo e da Igreja, com o homem na sua
humanidade, é criador de cultura no seu fundamento mesmo. Ao viver o Evangelho,
dois milênios de história o testemunham, a Igreja esclarece o sentido e o valor
da vida, alarga os horizontes da razão e fortalece os fundamentos da moral
humana, A fé cristã autenticamente vivida revela em toda a sua profundidade a
dignidade da pessoa e a sublimidade da sua vocação (cf. Redemptor Hominis,
n. 10). Desde as origens, o Cristianismo se distingue pela inteligência da fé e
pela audácia da razão. Testemunham-no pioneiros como S. Justino e S. Clemente
de Alexandria, Orígenes, os Padres Capadócios, o encontro entre o pensamento
platônico e neoplatônico e S. Agostinho, depois a integração da filosofia de
Aristóteles efetuada por S. Tomás, sem esquecer S. Anselmo, S. Alberto Magno e
S. Boaventura, até à época contemporânea ilustrada por Newman e Rosmini, Edith
Stein e Vladimir Soloviev, Pavel Florensky e Vladimir Lossky evocados pelo Papa
João Paulo II na sua encíclica Fides et Ratio (cf. n. 36-48).
« O encontro da fé com as diversas culturas deu vida a uma nova realidade » (Ibid.,
n. 70), ela criou assim uma cultura original, nos contextos mais
diversos.
II DESAFIOS E FUNDAMENTOS
Uma nova época da história humana (Gaudium et Spes, n. 54)
As condições
de vida do homem moderno nestes últimos decênios do segundo milênio
transformaram-se tão profundamente, que o Concílio Vaticano II não hesita em
falar de « uma nova época da história humana » (Gaudium et Spes, n. 54).
Para a Igreja, é um kairós, tempo favorável para uma nova
evangelização, onde os novos traços da cultura constituem desafios e
fundamentos para uma pastoral da cultura.
A Igreja, em nosso tempo, tem disso uma viva
consciência, sob o impulso dos Papas que desenvolveram e atualizaram a doutrina
social da Igreja, da Rerum Novarum em 1891, àCentesimus
Annus em 1991. As Conferências Episcopais, suas federações e os
Sínodos dos Bispos se inspiraram nela para iniciativas práticas adequadas às
situações peculiares dos diversos países. No seio desta diversidade, afirmam-se
entretanto alguns traços dominantes.
Na situação cultural hoje preponderante em
diferentes partes do mundo, o subjetivismo prevalece como medida e critério de
verdade (cf. Fides et Ratio, n. 47). Os pressupostos positivistas
sobre o progresso da ciência e da tecnologia são postos em questão. Após o
fracasso espetacular do marxismo-leninismo coletivista e ateu, a ideologia
rival, o liberalismo, revela sua incapacidade em fazer a felicidade do gênero
humano, na dignidade responsável de cada pessoa. Um ateísmo prático
antropocêntrico, a indiferença religiosa apregoada, um materialismo hedonista
agressivo marginalizam a fé como algo evanescente, sem consistência nem
pertinência cultural, no seio de uma cultura « prevalentemente científica e
técnica » (Veritatis Splendor, n. 112). « Na verdade, os critérios de
juízo e de escolha assumidos pelos mesmos crentes apresentam-se freqüentemente,
no contexto de uma cultura amplamente descristianizada, como alheios ou até
mesmo contrapostos aos do Evangelho » (Ibid., n. 88). O Papa João Paulo
II o recordava ao celebrar o vigésimo quinto aniversário da Constituição
conciliar sobre a liturgia: « A adaptação às culturas exige também uma
conversão do coração e, se for necessário, mesmo a ruptura com hábitos
ancestrais incompatíveis com a fé católica. Ora tudo isto requer uma séria
formação teológica, histórica e cultural, bem como um são critério para
discernir aquilo que é necessário ou útil daquilo que é inútil ou até mesmo
perigoso para a fé » (Vicesimus quintus annus, n. 16).
Urbanização galopante e desenraizamento cultural
Provocado
por diversos fatores, como a pobreza ou o subdesenvolvimento das zonas rurais
desprovidas dos bens e serviços básicos, mas também, em certos países, por
causa dos conflitos armados que obrigam milhões de seres humanos a deixar o seu
ambiente familiar e cultural, dá-se atualmente um impressionante êxodo rural
que tende a fazer crescer desmesuradamente os grandes centros urbanos. A essas
pressões de ordem econômica e social, se ajunta o fascínio da cidade, do
bem-estar e do divertimento que ela oferece e cujas imagens são transmitidas
pelos meio de comunicação social. Por falta de planejamento, os arrabaldes ou
subúrbios dessas megalópoles tornam-se freqüentemente uma espécie de guetos,
aglomerações enormes de pessoas socialmente desenraizadas, politicamente
carentes, economicamente marginalizadas e culturalmente isoladas.
O desenraizamento cultural, cujas causas são
múltiplas, faz aparecer por contraste o papel fundamental das raízes culturais.
O homem desestruturado pelo enfraquecimento ou pela perda da sua identidade
cultural torna-se um terreno privilegiado para práticas desumanizantes. Nunca
como neste século XX o homem manifestou tantas capacidades e talentos, mas
nunca também a história conheceu tantas negações e violações da dignidade
humana, frutos amargos da negação ou do esquecimento de Deus. Com os valores
relegados à esfera privada, a vida moral apresenta-se alterada e a vida espiritual
debilitada. O terrível conceito de « cultura de morte » estigmatiza uma
contracultura que demonstra de modo evidente a sinistra contradição entre uma
vontade afirmada de vida e a rejeição obstinada de Deus, fonte de toda vida
(cf. Evangelium Vitae, n. 11-12 e 19-28).
« Evangelizar a cultura urbana constitui um desafio
formidável para a Igreja, que, assim como soube ao longo dos séculos
evangelizar a cultura rural, da mesma forma é também chamada hoje a levar a
cabo uma evangelização urbana metódica e capilar através da catequese, da
liturgia e do modo mesmo de organizar as sua estruturas pastorais » (Ecclesia
in America, n. 21).
Meios de comunicação social e tecnologia da
informação
« O primeiro
areópago dos tempos modernos é o mundo das comunicações, que está a unificar a
humanidade, transformando-a como se costuma dizer na "aldeia global".
Os meios de comunicação social alcançaram tamanha importância que são para
muitos o principal instrumento de informação e formação, de guia e inspiração
dos comportamentos individuais, familiares e sociais... A própria evangelização
da cultura moderna depende, em grande parte, da sua influência... É necessário
integrar a mensagem nesta "nova cultura", criada pelas modernas
comunicações. É um problema complexo, pois esta cultura nasce, menos dos
conteúdos do que do próprio fato de existirem novos modos de comunicar com
novas linguagens, novas técnicas, novas atitudes psicológicas » (Redemptoris
Missio, n. 37). O advento desta verdadeira revolução cultural, com a
transformação da linguagem causada especialmente pela televisão e pelos modelos
que ela propõe, acarreta « a transformação completa de tudo o que é necessário
à humanidade para compreender o mundo que a envolve e para verificar e
expressar a percepção do mesmo... Com efeito, tanto se pode recorrer aos mass
media para proclamar o Evangelho, como para o afastar do coração do
homem ».(12) Os mass media que dão acesso à informação « ao
vivo » suprimem o recuo da distância e do tempo, mas sobretudo transformam a
apreensão das coisas: a realidade cede lugar àquilo que é exibido por estes
meios. Então, a repetição contínua de informações selecionadas torna-se um
fator determinante na criação daquela que passa a ser considerada « opinião
pública ».
A influência dos media que
representam as fronteiras, em particular no campo da publicidade,(13) exige dos
cristãos uma nova criatividade para atingir as centenas de milhões de pessoas
que consagram quotidianamente um tempo importante à televisão e ao rádio, meios
de informação e de promoção cultural, mas também de evangelização para aqueles
a quem faltam ocasiões para entrar em contato com o Evangelho e com a Igreja
nas sociedades secularizadas. A pastoral da cultura deve dar uma resposta
positiva à questão crucial apresentada por João Paulo II: « Existe, contudo, um
lugar para Cristo nos mass media tradicionais? ».(14)
A mais surpreendente das inovações na tecnologia da
comunicação é sem dúvida a redeInternet. Como toda técnica nova, não
deixa de suscitar temores, tristemente justificados por usos perversos, e exige
uma constante vigilância e uma séria informação. Não se trata somente da
moralidade do seu uso, mas das conseqüências radicalmente novas que ela
acarreta: perda do « peso específico » das informações, nivelamento das
mensagens reduzidas a não ser mais que pura informação, ausência de reações
concernentes às mensagens da rede por parte das pessoas responsáveis, efeito
dissuasivo quanto às relações interpessoais. Mas, sem nenhuma dúvida, as
imensas potencialidade da Interne podem fornecer um auxílio considerável à
difusão da Boa Nova, como testemunham certas iniciativas eclesiais promissoras,
que exigem um desenvolvimento criativo e responsável nesta « nova fronteira da
missão da Igreja » (cf.Christifideles Laici, n. 44).
Esta área da comunicação é importantíssima. Como
não estar presentes e utilizar as redes informáticas, cujos monitores estarão
de agora em diante em cada casa, para incluir ali os valores da mensagem
evangélica?
Identidades e minorias nacionais
As tragédias
que marcaram o século XX e afligem ainda hoje milhões de pessoas pelo mundo
afora, demonstram como o campo da identidade cultural e sua evangelização são
um fator decisivo para o futuro da Igreja e da sociedade. Se a sua unidade de
natureza constitui todos os homens membros de uma única grande comunidade, o
caráter histórico da condição humana faz-lhes necessariamente ligados de modo mais
intenso a grupos particulares: desde a família até às nações. A condição humana
é colocada assim entre estes dois pólos o universal e o particular em tensão
vital particularmente fecunda, se é vivida no equilíbrio e na harmonia. O
fundamento dos direitos das nações não é outro que a pessoa humana. Neste
sentido, estes direitos não são nada mais que os direitos do homem considerados
a este nível específico da vida comunitária. O primeiro destes direitos é o
direito à existência. « Ninguém nem um Estado, nem outra nação, nenhuma
organização internacional pode jamais considerar legitimamente que uma
particular nação não é digna de existir ».(15) O direito à existência implica
naturalmente, para cada nação, o direito à sua própria língua e à sua cultura.
É através delas que um povo exprime e defende sua soberania singular.
Se os direitos da nação traduzem as exigências da
particularidade, é importante também sublinhar as exigências da universalidade,
com os deveres que dela resultam para cada nação com relação às outras e para
com toda a humanidade. O primeiro de todos é sem dúvida nenhuma o dever de
viver em uma atitude de paz, respeitosa e solidária às outras nações. Formar as
novas gerações para viver sua própria identidade na diversidade é uma tarefa
prioritária da educação à cultura, dado que freqüentemente grupos de pressão
não deixam de utilizar a religião para fins políticos que lhe são estranhos. Ao
mesmo tempo, a pastoral da cultura apoia-se sobre o Dom do Espírito de Jesus e
do seu amor que « são destinados a todos e cada um dos povos e culturas para os
unir entre si à imagem daquela perfeita união que existe em Deus Uno e Trino »
(Ecclesia in America, n. 70).
Ao contrário do nacionalismo carregado de desprezo,
e até mesmo de aversão às outras nações e culturas, o patriotismo é o amor e o
serviço legítimos, privilegiados, mas não exclusivos, ao seu próprio país e à
sua cultura, distante tanto do cosmopolitismo quanto do nacionalismo cultural.
Cada cultura é aberta ao universal naquilo que tem de melhor. Ela é chamada
também a se purificar da sua parte na herança de pecado, inscrita em certos
preconceitos, costumes e práticas opostas ao Evangelho, a enriquecer-se com o
contributo da fé e a « enriquecer a própria Igreja universal com novas
expressões e valores » (cf. Redemptoris Missio, n. 52 eSlavorum
Apostoli, n. 21).
Novos areópagos e campos culturais tradicionais
Ecologia, ciência, filosofia e bioética
Uma nova
tomada de consciência afirma-se com o desenvolvimento da ecologia. Esta não é
uma novidade para a Igreja: a luz da fé ilumina o sentido da criação e as
relações entre o homem e a natureza. São Francisco de Assis e são Filipe Néri
são as testemunhas símbolo do respeito à natureza contido na visão cristã do
mundo criado. Este respeito encontra sua fonte no fato de que a natureza não é
propriedade do homem; ela pertence a Deus, seu Criador, que confiou-lhe a sua
administração (Gn 1, 28) para que ele a respeite e nela encontre a sua legítima
subsistência (cf. Centesimus Annus, n. 38-39).
A vulgarização dos conhecimentos científicos conduz
freqüentemente o homem a situar-se na imensidão do cosmos e a extasiar-se
diante de suas próprias capacidades e diante do universo, sem pensar de jeito
nenhum que Deus é o seu autor. Daqui o desafio, para a pastoral da cultura, de
conduzir o homem para a transcendência, de ensinar-lhe a percorrer de novo o
caminho que parte de sua experiência intelectual e humana, para desembocar no
conhecimento do Criador, utilizando com sabedoria as melhores aquisições das
ciências modernas, à luz da reta razão. Embora a ciência, pelo seu prestígio,
impregne fortemente a cultura contemporânea, ela não consegue apreender aquilo
que constitui na sua substância a experiência humana, nem a realidade mais
intrínseca das coisas. Uma cultura coerente, fundada sobre a transcendência e a
superioridade do espírito em face da matéria, requer uma sabedoria onde o
conhecimento científico se desenvolva em um horizonte iluminado pela reflexão
metafísica. No plano do conhecimento fé e ciência não se sobrepõem uma à outra,
e convém não confundir os seus princípios metodológicos, mas distinguir para
unir e reencontrar, para além da dispersão causada pela subdivisão do saber em
campos fechados, esta síntese harmoniosa e o sentido unificador da totalidade
que caracterizam uma cultura plenamente humana. Em nossa cultura fragmentada
que custa a integrar a abundante acumulação de conhecimentos, as maravilhosas
descobertas das ciências e as notáveis contribuições das modernas técnicas, a
pastoral da cultura requer como pressuposto uma reflexão filosófica que se
ocupe de organizar e estruturar o conjunto dos conhecimentos e fortaleça, ao
fazê-lo, a capacidade de verdade da razão e sua função reguladora da cultura.
« A subdivisão do saber, enquanto comporta uma visão
parcial da verdade com a conseqüente fragmentação do seu sentido, impede a
unidade interior do homem de hoje. Como poderia a Igreja deixar de
preocupar-se? Os Pastores recebem esta função sapiencial diretamente do
Evangelho, e não podem eximir-se do dever de concretizá-la » (Fides et Ratio,
n. 85).
É também a
tarefa dos filósofos e teólogos qualificados,
em condições de abordar com competência a cultura científica e tecnológica
dominante, de identificar os desafios e os fundamentos para o anúncio do
Evangelho. Esta exigência implica uma renovação do ensino filosófico e
teológico, pois a condição de todo diálogo e de toda inculturação está numa
teologia plenamente fiel ao dado de fé. A pastoral da cultura tem igual
necessidade de cientistas católicos que sintam como que um dever de fornecer
sua contribuição própria à vida da Igreja, já que faz parte de sua experiência
pessoal o encontro entre ciência e fé. O déficit de qualificação teológica e de
competência científica prejudica a eficácia da presença da Igreja no coração da
cultura derivada das pesquisas científicas e de suas aplicações técnicas. E no
entanto nós vivemos um período particularmente favorável ao diálogo
entre ciência e fé.(16).
A ciência e
a técnica dispõem de maravilhosos meios para aumentar o saber, o poder e o
bem-estar dos homens, mas a sua utilização responsável implica a dimensão ética
das questões científicas. Freqüentemente colocadas pelos próprios estudiosos em
busca da verdade, estas questões evidenciam a necessidade de um diálogo
entre ciência e moral. Esta busca da verdade que transcende a experiência
dos sentidos, oferece novas possibilidades para uma pastoral da cultura
dirigida ao anúncio do Evangelho nos meios científicos.
É de todo evidente, e sua vastidão o testemunha,
que a bioética é bem mais que uma disciplina do saber, ela tem incidências
culturais, sociais, políticas e jurídicas, às quais a Igreja atribui a Maior
importância. Com efeito, a evolução da legislação no campo da bioética depende
da escolha das referências éticas às quais recorre o legislador. A questão de
fundo permanece, com o seu caráter severo: quais devem ser as relações entre
normas morais e lei civil em uma sociedade pluralista? (cf. Evangelium
Vitae, n. 18 e 68-74). Ao submeter as questões éticas fundamentais a
legisladores sucessivos, não se corre o risco de erigir em direito algo que
moralmente seria inaceitável?
A bioética é um dos campos evidentes que convidam a
remontar aos fundamentos da antropologia e da vida moral. O papel dos cristãos
é insubstituível para contribuir na formação, no seio da sociedade, num diálogo
respeitoso e exigente, de uma consciência ética e um sentido cívico. Esta
situação cultural exige uma formação rigorosa tanto para os presbíteros quanto
para os leigos que agem neste campo crucial da bioética.
A família e a educação
« A família, comunidade de pessoas, é, pois,
a primeira sociedade humana. Ela surge no momento em que se realiza a aliança
do matrimônio, que abre os cônjuges a uma perene comunhão de amor e de vida, e
completa-se plenamente e de modo específico com a geração dos filhos: a
comunhão dos cônjuges dá início à comunidade familiar » (Carta às famílias,
1994, n. 7).
Berço da vida e do amor, a família é também fonte
de cultura. Ela acolhe a vida e é esta escola de humanidade onde os futuros
cônjuges melhor aprendem a se tornarem pais responsáveis. O processo de
crescimento, que ela assegura em uma comunidade de vida e de amor, ultrapassa
em certas civilizações o núcleo parental, para constituir, por exemplo, a
grande família africana. E mesmo quando a miséria material, cultural e moral
mina a instituição mesma do matrimônio e ameaça secar as fontes da vida, a
família nem por deixa de ser o lugar privilegiado de formação da pessoa e da
sociedade. A experiência o demonstra: o conjunto das nações e a coesão dos
povos dependem, acima de tudo, da qualidade humana das famílias, principalmente
da presença complementar dos dois genitores, com os papéis respectivos do pai e
da mãe na educação dos filhos. Numa sociedade onde cresce o número dos
sem-família, a educação torna-se mais difícil, como a transmissão de uma
cultura popular modelada pelo Evangelho.
As situações pessoais dolorosas merecem
compreensão, caridade e solidariedade, mas em nenhum caso aquilo que é fracasso
trágico da família poderá ser apresentado como novo modelo de vida social. As
campanhas de opinião e as políticas antifamiliares ou antinatalistas são
tentativas de modificar o conceito mesmo de « família », até esvaziá-lo de sua
substância. Neste contexto, formar uma comunidade de vida e de amor que une os
cônjuges associando-os ao Criador constitui o melhor testemunho que as famílias
cristãs possam dar à sociedade.
Mais que em
qualquer outra época, o papel específico da mulher nas relações interpessoais e
sociais desperta reflexões e iniciativas. Em numerosas sociedades
contemporâneas marcadas por uma mentalidade « antifilho », o cuidado dos filhos
é com freqüência considerado como um obstáculo à autonomia e às possibilidades
de afirmação da mulher, o que obscurece o rico significado da maternidade bem
como da personalidade feminina. Fundada sobre a mensagem da Revelação bíblica,
promovida a despeito dos acasos da história e da cultura das nações cristãs, a
igualdade fundamental do homem e da mulher criados por Deus à sua imagem (Gn 1,
27) e ilustrada pelo patrimônio artístico secular da Igreja, chama a pastoral
da cultura a levar em conta a profunda transformação da condição feminina em
nosso tempo: « Em tempos recentes, algumas correntes do movimento feminista, no
intento de favorecer a emancipação da mulher, tiveram em vista assemelhá-la em
tudo ao homem. Mas a intenção divina manifestada na criação, embora quisesse a
mulher igual ao homem por dignidade e valor, afirma-lhe contemporaneamente com
clareza a diversidade e a especificidade. A identidade da mulher não pode
consistir em ser uma cópia do homem ».(17) As especificidades próprias de cada
um dos sexos se unem em uma colaboração recíproca que leva a um enriquecimento
mútuo e onde as mulheres são as primeiras artesãs de uma sociedade mais humana.
« Tarefa primeira
e essencial de toda a cultura »,(18) a educação que é, desde a Antigüidade
cristã, um dos mais destacados campos de ação pastoral da Igreja, tanto no
plano religioso e cultural quanto no plano pessoal e social, é mais do que
nunca complexa e crucial. Ela é fundamentalmente responsabilidade das famílias,
mas tem necessidade da colaboração de toda a sociedade. O mundo de amanhã
depende da educação de hoje, e esta não pode se reduzir à mera transmissão de
conhecimentos. Ela forma as pessoas e as prepara para se integrar na vida
social, promovendo o seu amadurecimento psicológico, intelectual, cultural,
moral e espiritual.
O desafio de anunciar o Evangelho às crianças e aos
jovens, da escola à universidade, exige também um projeto educativo apropriado.
A educação no seio da família, na escola ou na universidade « não só constrói
uma relação profunda entre educador e educando, mas fá-los ambos participar na
verdade e no amor, meta final à qual cada homem é chamado por Deus Pai, Filho e
Espírito Santo » (Carta às famílias, n. 16). Ela prepara para viver
relações fundadas sobre o respeito dos direitos e dos deveres. Ela prepara para
viver em um espírito de acolhimento e de solidariedade, para exercer um uso
moderado da propriedade e dos bens, a fim de garantir justas condições de
existência para todos e em toda a parte. O futuro da humanidade passa pelo
desenvolvimento integral e solidário de cada pessoa: todo homem e o homem todo
(cf. Populorum Progressio, n. 42). Assim, família, escola e
universidade são chamadas, cada uma na sua ordem, a inserir o fermento
evangélico nas culturas do Terceiro Milênio.
Arte e lazer
Numa cultura
cada vez mais marcada pelo primado do ter, pela obsessão da satisfação
imediata, pela ilusão das compensações materiais, a busca do lucro, é
surpreendente constatar não somente a permanência, mas o desenvolvimento de um
interesse pelo belo. As formas de que se reveste este interesse parecem
traduzir a aspiração que se mantém, e até mesmo se reforça, a um algo mais que
encante a existência, abra-a e a conduza para além dela mesma. A Igreja teve
intuição disto desde a origem e séculos de arte cristã dão disso uma ilustração
magnífica: a obra de arte autêntica é potencialmente uma porta de entrada para
a experiência religiosa. Reconhecer a importância da arte para inculturar o
Evangelho, é reconhecer que o gênio e a sensibilidade do homem são conaturais à
verdade e à beleza do mistério divino. A Igreja manifesta um profundo respeito
por todos os artistas, sem fazer acepção de suas convicções religiosas, pois a
obra artística porta em si como que uma marca do invisível, mesmo se, como
qualquer atividade humana, a arte não tenha em si mesma o seu fim absoluto: ela
é ordenada à pessoa humana.
Os artistas cristãos constituem para a Igreja uma potencialidade
extraordinária para aprimorar novas fórmulas e elaborar novos símbolos ou
metáforas, Na exuberância gênio litúrgico dotado de uma poderosa força
criativa, radicada ha tantos séculos nas profundezas do imaginário católico,
com sua capacidade de exprimir a onipresença da graça. Em cada continente não
faltam os artistas cuja inspiração cristã é capaz de atrair fiéis de todas as
religiões, bem como os não-crentes, pela irradiação do belo e do verdadeiro.
Através dos artistas cristãos o Evangelho, fonte fecunda de inspiração, atinge
numerosas pessoas desprovidas de contato com a mensagem de Cristo.
Ao mesmo tempo, o patrimônio cultural da Igreja
testemunha uma fecunda integração entre cultura e fé. Ele constitui um recurso
permanente para uma educação cultural e catequética, que une a verdade da fé à
autêntica beleza da arte (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 122-127).
Frutos de uma comunidade cristã que viveu e vive intensamente sua fé na
esperança e na caridade, estes bens cultuais e culturais da Igreja estão aptos
a inspirar a existência humana e cristã no alvorecer do Terceiro Milênio.
. O mundo do lazer e do desporto, das
viagens e do turismo, juntamente com o do trabalho, constitui sem dúvida
uma dimensão importante da cultura onde a Igreja está presente há muito tempo.
Portanto este vem a ser também um dos areópagos da pastoral da cultura. A
cultura do « trabalho » passa por profundas transformações que não deixam de
ter conseqüências sobre o lazer e as atividades culturais. O trabalho, que para
a grande Maioria é o meio de procurar o pão cotidiano (cf. Laborem
Exercens, n. 1), é também um dos meios de responder ao desejo cada vez mais
afirmado de desenvolvimento pessoal, ao mesmo título que as atividades
culturais. Todavia, num contexto de especialização, de grande desenvolvimento
tecnológico e econômico, as novas formas de organização do trabalho
freqüentemente trazem consigo o aumento do desemprego em todas as camadas da
sociedade, o qual é causa não só de miséria material, mas também semeia nas
culturas dúvida, insatisfação, humilhação, às vezes até mesmo delinqüência. A
precariedade das condições de vida e a necessidade de prover ao necessário
levam muitas vezes a considerar a cultura artística e literária como um
supérfluo reservado a uma elite privilegiada.
O desporto, que se tornou quase
universal, tem sem nenhuma dúvida o seu lugar em uma visão cristã da cultura, e
pode favorecer ao mesmo tempo a saúde física e as relações interpessoais, pois
ele cria laços e contribui para forjar um ideal. Mas ele pode também ser
desnaturado pelos interesses comerciais, tornar-se o veículo de rivalidades
nacionais ou raciais, dar lugar a explosões de violência que revelam as tensões
e as contradições da sociedade, e transformar-se, então, em anticultura. Ele é
também um lugar importante para uma moderna pastoral da cultura. Realidade
multiforme e complexa, simultaneamente carregada de símbolos e de interesses
comerciais, o lazer e o desporto criam não só uma atmosfera, mas como que uma
cultura, um modo de ser, um sistema de referências. Uma pastoral adaptada
saberá discernir aí os autênticos valores educativos, como um meio para
celebrar as riquezas do ser criado a imagem de Deus, e, a exemplo do apóstolo
Paulo, anunciar a salvação em Cristo (cf. 1 Cor 9, 24-27).
Diversidade cultural e pluralidade religiosa
Em nossos
dias, a missão evangelizadora da Igreja é exercida em um mundo caracterizado
pela diversidade de situações culturais modeladas por diferentes paradigmas
religiosos. Neste momento em que os contatos interculturais e inter-religiosos
se aceleram no seio da aldeia global, este fenômeno toca todos os continentes e
todos os países.
A Assembléia especial do Sínodo dos Bispos para a
África pôs isto em relevo. Nesse continente, as religiões tradicionais que
encontram o Cristianismo e o Islão permanecem bem vivas, e impregnam a cultura
e a vida das pessoas e das comunidades. Se os valores culturais positivos
dessas religiões nem sempre foram suficientemente levados em conta no início da
evangelização, a Igreja, particularmente depois do Concílio Vaticano II,
promove aqueles que estão em harmonia com o Evangelho e preparam o caminho da
conversão a Cristo. « Os africanos têm um profundo senso religioso, o sentido
do sagrado, da existência de Deus criador e de um mundo espiritual. A realidade
do pecado nas suas formas individuais e sociais estão muito presentes na
consciência daqueles povos, e sente-se também igualmente a necessidade de ritos
de purificação e expiação » (Ecclesia in Africa, n. 30-37, 42). Os valores
positivos transmitidos pelas culturas tradicionais, tais como o sentido da
família, o amor e o respeito à vida, o respeito aos anciãos e a veneração dos
ancestrais, o sentido da solidariedade e da vida comunitária, o respeito ao
chefe, a dimensão celebrativa da vida, são fundamentos sólidos para a
inculturação da fé, pela qual o Evangelho penetra todos os aspectos da cultura
levando-os ao seu pleno desenvolvimento (cf. Ibid., n. 59-62).
Entretanto, as atitudes contrárias ao Evangelho, inspiradas por essas
tradições, serão resolutamente combatidas pela força da Boa Nova do Cristo
Salvador, portadora das Bem-aventuranças evangélicas (Mt 5, 1-12).
Imensas
regiões do mundo, particularmente na Ásia, terras de antigas
culturas, são profundamente marcadas por religiões e sabedorias não-cristãs,
tais como o Hinduísmo, o Budismo, o Taoísmo, o Shintoísmo, o Confucionismo, que
merecem uma atenta consideração. A mensagem de Cristo suscita ali poucas
respostas. Não será isto porque o cristianismo é percebido ali freqüentemente
como uma religião estrangeira, insuficientemente inserida, assimilada e vivida
nas culturas locais? Daí a vastidão de uma pastoral da cultura neste contexto
específico.
Numerosas realidades morais e espirituais, e até
mesmo místicas, tais como a santidade, a renúncia, a castidade, a virtude, o
amor universal, o amor à paz, a oração e a contemplação, a felicidade em Deus,
a compaixão, vividos nestas culturas, são aberturas para a fé no Deus de Jesus
Cristo. O Papa João Paulo II o recorda: « Compete aos cristãos de hoje,
sobretudo aos da Índia, a tarefa de extrair deste rico patrimônio os elementos
compatíveis com a sua fé, para se obter um enriquecimento do pensamento cristão
» (Fides et Ratio, n. 72). Expressões do homem em busca de Deus, as
culturas do Oriente manifestam, através das diversidades culturais, a
universalidade do gênio humano e sua dimensão espiritual (cf. Nostra
Aetate, n. 2). Num mundo dominado pela secularização, elas atestam a
experiência vivida do divino e a importância do espiritual como núcleo vivo das
culturas.
É um gigantesco desafio para a pastoral da cultura
acompanhar os homens de boa vontade cuja razão procura a verdade,
fundamentando-se nessas ricas tradições culturais, tais como a milenar
sabedoria chinesa, e conduzir sua busca do divino a se abrir à Revelação do
Deus vivo que, pela graça do Espírito, associa a si o homem em Jesus Cristo,
único Redentor.
Outras
grandes regiões a Assembléia especial para a América do Sínodo
dos Bispos pô-lo a viva luz vivem de uma cultura profundamente modelada pela
mensagem evangélica e, ao mesmo tempo, se encontram sob uma penetrante
influência de modos de vida materialistas e secularizados, que se manifesta
especialmente no abandono da religião difundido na classe média e entre os
homens de cultura.
A Igreja, que afirma a dignidade da pessoa humana,
cuida de purificar a vida social das chagas que são a violência, as injustiças
sociais, os abusos de que são vítimas as crianças de rua, o tráfico de drogas,
etc. Neste contexto e afirmando o seu amor preferencial pelos pobres e
excluídos, a Igreja deve promover uma cultura da solidariedade em todos os
níveis da vida social: instituições governamentais, instituições públicas e
organizações privadas. Abrindo-se a uma Maior união entre as pessoas, entre as
sociedades e as nações, ela se associará aos esforços das pessoas de boa
vontade para construir um mundo cada vez mais digno da pessoa humana. Ao
fazê-lo, ela contribuirá « para a redução dos efeitos negativos da
globalização, tais como o domínio dos mais poderosos sobre os mais fracos,
especialmente no campo econômico, e a perda dos valores das culturas locais a
favor de uma mal entendida homogeneização » (Ecclesia in America, n.
55).
Em nossos dias, a ignorância religiosa endêmica
favorece diferentes formas de sincretismo entre antigas culturas hoje extintas,
os novos movimentos religiosos e a fé católica. Os problemas sociais,
econômicos, culturais e morais servem de justificação a novas ideologias
sincretistas cujos círculos estão ativamente presentes em diversos países. A
Igreja pretende ressaltar estes desafios, em particular junto dos mais pobres,
promover a justiça social e evangelizar as culturas tradicionais, bem como as
novas culturas que emergem das megalópoles.(19)
Os países penetrados pelo Islão constituem
como que um universo cultural com sua configuração própria, se bem que
diversificada entre os países árabes e os outros países da África e da Ásia.
Pois o Islão se apresenta indissociavelmente como uma sociedade com sua
legislação e suas tradições, cujo conjunto constitui uma vasta comunidade, uma,
com a sua cultura própria e o seu projeto de civilização.
O Islão conhece atualmente uma grande expansão,
devida especialmente aos movimentos migratórios provenientes de países com
grande crescimento demográfico. Nos países de tradição cristã, que têm, à
exceção da África, um baixo ou até mesmo negativo C crescimento demográfico,
percebe-se freqüentemente hoje o aumento da presença de muçulmanos como um
desafio social, cultural, e até mesmo religioso. Os imigrados muçulmanos por
sua vez passam, ao menos em certos países, por grandes dificuldades de
integração sócio-cultural. Aliás, o afastamento de uma comunidade tradicional
conduz freqüentemente no Islão como nas outras religiões ao abandono de certas
práticas religiosas e a uma crise de identidade cultural. Uma colaboração leal
com os muçulmanos no plano cultural pode permitir o estabelecimento em uma
efetiva reciprocidade de relações frutuosas nos países islâmicos, bem como com
as comunidades muçulmanas estabelecidas nos países de tradição cristã. Uma tal
cooperação não dispensa os cristãos de dar conta de sua fé cristológica e
trinitária em face das outras expressões do monoteísmo.
As culturas secularizadas exercem
uma profunda influência em diversas partes de um mundo marcado pela aceleração
e pela complexidade crescente das mudanças culturais. Nascida em países de
antiga tradição cristã, esta cultura secularizada, com os seus valores de
solidariedade, de dedicação gratuita, de liberdade, de justiça, de igualdade
entre o homem e a mulher, de abertura de espírito e de diálogo, e de
sensibilidade ecológica. guarda ainda a marca de valores fundamentalmente
cristãos que impregnaram a cultura ao longo dos séculos e cuja fecundidade
penetrou a própria secularização no processo de civilização e na reflexão
filosófica. Às vésperas do terceiro milênio, as questões da verdade, dos
valores, do ser e do sentido, ligadas à natureza humana, revelam os limites de
uma secularização que suscita, malgrado ela mesma, a procura da « dimensão
espiritual da vida como antídoto à desumanização. Este fenômeno, denominado
"ressurgimento religioso", não está isento de ambigüidade, mas traz
com ele também um convite... Também este é um areópago a evangelizar » (Redemptoris
Missio, n. 38).
Quando a secularização se transforma em secularismo
(Evangelii Nuntiandi, n. 55), resulta em uma grave crise cultural e
espiritual, da qual um dos sinais é a perda do respeito pela pessoa e a difusão
de uma espécie de niilismo antropológico que reduz o homem aos seus instintos e
tendências. Este niilismo que alimenta uma grave crise da verdade (cf. Veritatis
Splendor, n. 32), « de algum modo encontra confirmação na terrível
experiência do mal que caracterizou a nossa época. O otimismo racionalista que
via na história o avanço vitorioso da razão, fonte de felicidade e de
liberdade, não pôde resistir face à dramaticidade de tal experiência, a ponto
de uma das Maiores ameaças, neste final de século, ser a tentação do desespero
» (Fides et Ratio, n. 91). É dando novamente lugar à razão esclarecida
pela fé e reconhecendo Cristo como a solução para a vida do homem, que uma
pastoral evangelizadora da cultura poderá reforçar a identidade cristã ajudando
as pessoas e as comunidades a reencontrar sua razão de viver, em todos os
caminhos da vida, ao encontro do Senhor que vem, e da vida do mundo que há de
vir (Ap 21-22).
Os países que redescobriram uma liberdade por muito
tempo sufocada pelo marxismo-leninismo ateu no poder, ficaram marcados por uma
« desculturação » violenta da fé cristã: as relações entre os homens
artificialmente modificadas, a dependência da criatura em relação ao seu
Criador negada, as verdades dogmáticas da Revelação cristã e sua ética
combatidas. A esta « desculturação » sucedeu um questionamento radical de
valores essenciais para os cristãos. Os efeitos redutores do secularismo
espalhado na Europa Ocidental no fim dos anos sessenta, contribuem na
desestruturação da cultura dos países da Europa central e oriental.
Outros países, de tradicional pluralismo
democrático, experimentam, sobre um fundo massificado de adesão social
religiosa, o impulso de correntes mescladas de secularismo e de expressões
religiosas populares levadas pelos fluxos migratórios. Diante deste fato, a
Assembléia especial para a América do Sínodo dos Bispos propôs uma nova tomada
de consciência missionária.
Seitas e novos movimentos religiosos (20)A sociedade no seio da
qual emerge, sob as formas mais variadas, uma nova busca de espiritualidade,
talvez mais que de religião, não deixa de recordar uma das tribunas de São
Paulo, o Areópago de Atenas (cf. AA, 17, 22-31). A
sede de reencontrar uma dimensão espiritual que seja também fonte de sentido
para a vida, bem como o desejo profundo de reconstituir um tecido de relações
afetivas e sociais muitas vezes lacerado pela instabilidade crescente da
instituição familiar, ao menos em certos países, se traduzem em um novo «revival »
no seio do cristianismo, mas também por construções mais ou menos sincretistas
orientadas para uma certa união global para além de toda religião particular.
Sob o polissêmico vocábulo seita podem ser
colocados numerosos e muito variados grupos, uns de inspiração gnóstica ou
esotérica, outros de aparência cristã, outros ainda, em certos casos, hostis a
Cristo e à Igreja. O seu aparecimento responde, freqüentemente, a aspirações
insatisfeitas. Muitos de nossos contemporâneos encontram aí um lugar de
pertença e de comunicação, de afeto e de fraternidade, até mesmo uma aparência
de proteção e de segurança. Este sentimento se fundamenta, em grande parte, nas
soluções aparentemente luminosas como o « Gospel of success »
- mas, de fato, ilusórias que as seitas parecem fornecer
às questões mais complexas, como também em uma teologia pragmática muitas vezes
baseada na exaltação do « eu » tão maltratado pela sociedade. Freqüentemente,
as seitas se desenvolvem graças às suas pretensas respostas às necessidades das
pessoas em busca de cura, de filhos, de sucesso econômico. Ocorre o mesmo com
as religiões esotéricas cujo êxito se afirma graças à ignorância e à
credulidade de cristãos pouco ou mal formados. Em numerosos países, algumas
pessoas, feridas pela vida, deixadas a si mesmas, fazem a dolorosa experiência
da exclusão, especialmente no anonimato característico da cultura urbana, e
estão prontas a tudo aceitar contanto que se beneficiem de uma visão espiritual
que lhes restitua a harmonia perdida, e lhes conceda experimentar como que uma
sensação de cura física e espiritual. Tudo isto mostra a complexidade e o
alcance do fenômeno das seitas, que alia o mal-estar existencial à rejeição da
dimensão institucional das religiões, e que se manifesta sob formas e
expressões religiosas heterogêneas.
Mas a proliferação das seitas é também uma reação à
cultura do secularismo e uma conseqüência das modificações sociais e culturais
que fizeram com que se perdessem as raízes religiosas tradicionais. Ir ao
encontro das pessoas tocadas pelas seitas ou em perigo de o ser, para anunciar
Jesus Cristo que lhes fala ao coração, é um dos desafios que a Igreja deve-se
colocar.
Verdadeiramente, de um continente a outro,
verifica-se a emergência de uma « nova época da história humana », já percebida
pelo Concílio Vaticano II. Esta tomada de consciência exige uma nova pastoral
da cultura, que se encarregue de enfrentar estes novos desafios, na convicção
que levou João Paulo II a criar o Conselho Pontifício da Cultura: « Daqui a
importância para a Igreja... de uma ação pastoral atenta e clarividente, a
respeito da cultura, em particular da que é chamada cultura viva, ou seja o
conjunto dos princípios e dos valores que formam o ethos de um
povo » (Carta Autógrafa, op. cit.).
III PROPOSTAS CONCRETAS
Religiões e « religiosos »
Na sua
missão de anunciar o Evangelho a todos os homens de todas as culturas, a Igreja
encontra as religiões tradicionais, principalmente na África e na Ásia.(22) As
Igrejas locais são convidadas e incentivadas a estudar as culturas e as
práticas religiosas tradicionais de sua própria região, não para as canonizar,
mas para discernir nelas os valores, os costumes e os ritos capazes de
favorecer um enraizamento mais profundo do cristianismo nas culturas locais
(cf. Ad Gentes, n. 19 e 22).
O « retorno » ou « despertar » da religião no
Ocidente exige, seguramente, um sério discernimento. Embora se trate mais
freqüentemente de um retorno do sentimento religioso que de uma adesão pessoal
a Deus, em comunhão de fé com a Igreja, ninguém poderá no entanto negar que
homens e mulheres, em número crescente, voltam a estar atentos a uma dimensão
da existência humana que eles caracterizam, conforme o caso, como espiritual,
religiosa ou sacra. O fenômeno, que se verifica sobretudo entre os jovens e os
pobres o que constitui uma razão suplementar para prestar-lhe atenção, leva-os
seja a se voltar para um Cristianismo que os tinha desiludido um pouco, seja a
se dirigir para outras religiões, seja mesmo a ceder à solicitação sectária ou ainda
às ilusões do ocultismo.
Em todas as partes do mundo, um novo campo de «
possíveis » se abre à pastoral da cultura a fim de que o Evangelho de Cristo
resplandeça no seu interior. Numerosos são os pontos sobre os quais a fé cristã
é chamada a se traduzir e a se exprimir de maneira mais acessível às culturas
predominantes, em razão da concorrência mesma à qual a submete o crescimento,
ao redor dela, de uma religiosidade difusa e abundante.
A busca do diálogo e a correspondente necessidade
de melhor identificar a especificidade cristã representam um
campo cada vez mais importante da reflexão e da ação para o anúncio da fé nas
culturas. A pastoral da cultura em face do desafio das seitas (cf. Ecclesia
in America, n. 73) inscreve-se nesta perspectiva, pois estas produzem
efeitos culturais intimamente ligados ao seu discurso « espiritual ». Esta
situação exige uma séria reflexão sobre a maneira de viver a tolerância e a
liberdade religiosa em nossas sociedades (cf. Dignitatis Humanae,
n. 4). Sem dúvida nenhuma, é preciso formar melhor presbíteros e leigos a fim
de que eles adquiram competência e discernimento a respeito das seitas e das
razões do seu sucesso, sem todavia perder de vista que o verdadeiro antídoto
contra as seitas é a qualidade da vida eclesial. Quanto aos presbíteros, é
necessário prepará-los, tanto para enfrentar o desafio das seitas quanto para
dar assistência aos fiéis em perigo de deixar a Igreja e renegar a sua fé.
Instituições educacionais
« O mundo da
educação é um campo privilegiado para promover a inculturação do Evangelho » (Ecclesia
in America, n. 71). A educação que conduz a criança, e depois o
adolescente, à sua maturidade, começa no interior da família que permanece o
lugar privilegiado da educação. Toda pastoral da cultura e toda a evangelização
em profundidade também se apoiam sobre a educação e tomam como base a família,
« primeiro espaço educativo da pessoa » (Ibid.).
Mas a família, muitas vezes às voltas com
dificuldades as mais diversas, não tem como atender sozinha a todas as
exigências educacionais. Daí a grande importância das instituições
educacionais. Em muitos países, fiel à sua bimilenária missão de educação e
ensino, a Igreja anima numerosas instituições: jardins da infância, escolas,
colégios, liceus, universidades, centros de pesquisa. Estas instituições
católicas tem por vocação própria colocar os valores evangélicos no interior da
cultura. Para o fazer, os responsáveis por estas instituições devem haurir na
mensagem do Cristo bem como no ensinamento da Igreja a substância do seu
projeto educativo. Todavia, o cumprimento da missão destas instituições depende
em grande parte de meios muitas vezes difíceis de reunir. É necessário
render-se à evidência para enfrentar o seu desafio: a Igreja deve consagrar uma
parte importante do seus recursos em pessoal e em meios para a educação, para
responder à missão recebida de Cristo de anunciar o Evangelho. Em todo caso uma
exigência permanece: associar a preocupação com uma séria formação escolar
àquela com uma profunda formação humana e cristã.(23) Caso contrário, a
multidão de jovens que freqüentam o conjunto das instituições de educação dos
diversos países, poderão freqüentemente, malgrado a boa vontade e a competência
dos mestres, ser plenamente escolarizados, mas parcialmente « desculturados ».
Na perspectiva global de uma pastoral da cultura e
dando sempre aos estudantes a formação específica que eles tem o direito de
esperar, as universidades, colégios e centros de pesquisa católicos terão a
preocupação de assegurar um encontro fecundo entre o Evangelho e as diferentes
expressões culturais. Estas instituições saberão contribuir de modo original e
insubstituível a uma autêntica formação aos valores culturais, como terreno
privilegiado para uma vida de fé em simbiose com a vida intelectual. A este
respeito, é conveniente recomendar uma atenção particular ao ensino da
filosofia, da história e da literatura, como lugares essenciais de encontro
entre a fé e as culturas.
A presença da Igreja na universidade e na cultura
universitária,(24) com as iniciativas concretas capazes de tornar esta presença
eficiente, exigem um discernimento exigente e um esforço sem cessar renovado
para promover uma nova cultura cristã nutrida com as melhores aquisições em
todos os campos da atividade universitária.
Uma tal urgência de formação humana e cristã,
requer presbíteros, religiosos e leigos bem formados. O seu trabalho conjunto
permitirá que as instituições educativas católicas influenciem a produção
didática, bem como os profissionais da cultura, e favorecerá a difusão de um
modelo cristão de relações entre educadores e educandos, no seio de uma
verdadeira comunidade educativa. A formação integral da pessoa é um dos
objetivos principais da pastoral da cultura.
A Escola é, por definição, um dos
lugares de iniciação cultural e, em certos países há muitos séculos, um dos
lugares privilegiados de transmissão de uma cultura forjada pelo cristianismo.
Ora, se em um certo número de países, o « ensino religioso » encontra aí o seu
lugar, não ocorre o mesmo na Maior parte dos países secularizados. Tanto numa
como em outra situação, coloca-se o mesmo problema fundamental: a relação entre
cultura religiosa e catequese: aparece um receio, não sem fundamento, de que a
imposição a todos de cursos de « religião » obriga aqueles que são encarregados
de ministrá-los a se ater, de fato, à mera cultura religiosa. Com efeito,
quando se reduz o número daqueles que se beneficiam de uma catequese regular, a
cultura religiosa, não garantida de outras maneiras, corre o risco, em pouco
tempo, de enfraquecer-se no seio das novas gerações. Portanto, é urgente
reavaliar a relação entre cultura religiosa e catequese, e traduzir de maneira
nova a articulação entre a necessidade de apresentar aos alunos uma informação
religiosa exata e objetiva, por vezes ausente, e a importância capital do
testemunho de fé. É também indispensável a complementaridade entre a escola e a
paróquia, e é também necessário escolher os professores aptos a fazer destes
estabelecimentos escolas de crescimento espiritual e cultural. Estas são as
condições para o êxito desta pastoral exigente e promissora.
IV CONCLUSÃO
A cultura
entendida no seguimento do Concílio Vaticano II (Gaudium et Spes, n.
53-62) no seu sentido mais amplo se apresenta para a Igreja, no limiar do
Terceiro Milênio, como uma dimensão fundamental da pastoral e « uma autentica
pastoral da cultura [é] decisiva para a Nova Evangelização ».(30) Firmemente
empenhados nos caminhos de uma evangelização que atinja os espíritos e os
corações e transforme, fecundando-as, todas as culturas, os responsáveis pela
pastoral da cultura, discernindo à luz do Espírito Santo os desafios surgidos
de culturas indiferentes, e às vezes hostis à fé, como também os dados
culturais que se constituem em fundamentos para o anúncio do Evangelho. « Pois
o Evangelho leva a cultura à sua perfeição e a autêntica cultura é aberta ao
Evangelho ».(31)
Numerosos encontros entre os bispos e homens de
cultura de diferentes meios científico, tecnológico, educativo, artístico,
evidenciaram os elementos de uma tal pastoral, os seus pressupostos e suas
exigências, os seus obstáculos e os seus fundamentos, os seus objetivos
primordiais e os seus meios privilegiados. A imensidade deste campo de
apostolado, nesse « vastíssimo areópago » (Redemptoris Missio, n. 37) na
diversidade e na complexidade das áreas culturais, exige uma cooperação em
todos os níveis, da paróquia à Conferência Episcopal, de uma região a um
continente. O Conselho Pontifício da Cultura se empenha por sua parte, no
âmbito da sua missão,(32) a favorecer uma tal cooperação e a promover contatos
estimulantes e iniciativas adaptadas, especialmente em nível dos Dicastérios da
Cúria romana, das Conferências Episcopais, das organizações Internacionais
Católicas, universitárias, históricas, filosóficas, teológicas, científicas,
artísticas, intelectuais, bem como das Academias Pontifícias (33) e dos Centros
Culturais Católicos.(34)
« Ide e fazei que todas as nações se tornem
discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e
ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei » (Mt 28, 19-20).
Seguindo o caminho indicado pelo Senhor, a pastoral da cultura, estreitamente
ligada ao testemunho de fé pessoal e comunitário dos cristãos, inscreve-se na
missão de anunciar a Boa nova do Evangelho a todos os homens de todos os
tempos, como meio privilegiado de evangelizar as culturas e de inculturar a fé.
« Esta constitui uma exigência que marcou todo o caminho histórico (da Igreja),
mas hoje é particularmente aguda e urgente... requer um tempo longo... um
processo profundo, global e difícil » (Redemptoris Missio, n. 52). Às
vésperas do Terceiro Milênio, quem não vê a sua importância para o futuro da
Igreja e do mundo? O anúncio do Evangelho de Cristo nos urge a constituir
comunidades de fé vivas, profundamente inseridas nas diversas culturas e
portadoras de esperança, para promover uma cultura da verdade e do amor na qual
cada pessoa possa corresponder plenamente à sua vocação de filho de Deus « na
plenitude de Cristo » (Ef 4, 13). A urgência da pastoral da cultura
é grande, a tarefa gigantesca, as modalidades múltiplas, as possibilidades
imensas, no limiar do novo milênio da vinda de Cristo, Filho de Deus e Filho de
Maria, cuja mensagem de amor e de verdade satisfaz, além de toda expectativa, a
necessidade primordial de toda cultura humana. « Às culturas, a fé em Cristo dá
uma dimensão nova, a da esperança do Reino de Deus. Os cristãos têm a vocação
de inscrever no centro das culturas esta esperança duma terra nova e de céus
novos... Muito longe de as ameaçar ou de as empobrecer, o Evangelho
oferece-lhes um acréscimo de alegria e de beleza, de liberdade e de sentido, de
verdade e de bondade ».(35)
Em resumo, a pastoral da cultura, nas suas
múltiplas expressões, das quais este documento apresenta algumas propostas
selecionadas, não tem outro objetivo que o de ajudar toda a Igreja a cumprir a
sua missão de anunciar o Evangelho. No limiar do novo milênio, com a força da
Palavra de Deus « inspiradora de toda a existência cristã » (Tertio
Millennio Adveniente, n. 36), ela ajuda o homem a superar o drama do
humanismo ateu e a criar um « novo humanismo » (Gaudium et Spes, n. 55)
capaz de suscitar, em toda parte do mundo, culturas transformadas pela
prodigiosa novidade de Cristo, que « se fez homem para que o homem seja
divinizado »,(36) se renove à imagem do seu Criador (cf. Col 3,
10) e cresça como homem novo (cf. Ef 4, 24). Que Ele renove
todas as culturas pela força criadora do seu Espírito Santo, fonte da qual
brota a beleza, o amor e a verdade.
DADOS BIBLIOGRAFICOS
(1) João
Paulo II, Discurso à Assembléia Geral das Nações Unidas, 5 de
Outubro de 1995, n. 9.
(2) João Paulo II, Carta Autógrafa
instituindo o Conselho Pontifício da Cultura, 20 de Maio de 1982, AAS,
74 (1982) 683-688.
(3) João Paulo II, Discurso ao Conselho
Pontifício da Cultura, 15 de Janeiro de 1985.
(4) Pontificia Comissão Bíblica, Fé e
cultura à luz da Bíblia.
(5) Comissão Teológica Internacional, Fé e
inculturação.
(6) Puebla, a evangelização no presente e
no futuro da América Latina, 1979, n. 385-436;Santo Domingo, nova
evangelização, promoção humana, cultura cristã, 1992, n. 228-286.
(7) Cf. João Paulo II, Discurso à UNESCO,
2 de Junho de 1980, n. 12, OR (ed. port.), ano XI, n. 24
(550), p. 14 (338).
(8) Cf. Indiferentismo y sincretismo.
Desafios y propostas pastorales para la Nueva Evangelización de América Latina,
Simposio, San José de Costa Rica, 19-23 de Janeiro de 1992, Bogotá, Celam,
1992.
(9) Cf. IV Conferencia Geral do Episcopado
Latino-Americano, Santo Domingo, op. cit., n. 230.
(10) Cf. III Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano, Puebla, op. cit., n. 405.
(11) João Paulo II, Homilia da missa de
entronização, 22 de Outubro de 1978, OR (ed. port.), ano
IX, n. 44 (465), p. 2.
(12) Conselho Pontifício das Comunicações Sociais,
Instrução pastoral Aetatis Novae, 1992, n. 4.
(13) Conselho Pontifício das Comunicações Sociais, Ética
na publicidade, 22 de Fevereiro de 1997.
(14) João Paulo II, Mensagem para o XXXI
Dia Mundial das Comunicações Sociais, 14 de Janeiro de 1997, OR (ed.
port.), ano XXVIII, n. 5, p. 2.
(15) João Paulo II, Discurso à Assembléia
Geral da O.N.U., 5 de Outubro de 1995, n. 8, OR, (1995) n. 41,
p. 4 (492).
(16) Cf. Aa.Vv., Après Galilée. Science et
Foi. Nouveau Dialogue, Paris, DDB, 1994. Trad. italiana, Piemme, 1996.
(17) João Paulo II, Discurso na audiência
geral, 6 de Dezembro de 1995.
(18) João Paulo II, Discurso à UNESCO,
n. 11.
(19) Cf. IV Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano, Santo Domingo, op. cit., n. 228-286; e a
Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in America, 22 de Janeiro
de 1999, n. 64.
(20) Cf. Consistório extraordinário dos Cardeais,
Roma (4-6 de Abril de 1991); Les sectes, défi pastoral pour l'Église,
Cité du Vatican 1986; Sectes et nouveaux mouvements religieux.
Anthologie des textes de l'Église catholique 1986-1994, Paris, Téqui,
1996.
(21) João Paulo II, Discurso ao Conselho
Pontifício da Cultura, OR (ed. port.) ano XXVIII, n. 13,
p. 4 (136).
(22) Cf. duas cartas do Conselho Pontifício para o
Diálogo inter-religioso, « Pastoral Attention to African Traditional Religions
», Bulletin, 68 (1988) XXIII2, 102-106; « Pastoral Attention to
Traditional Religions », ibid., 84 (1993) XXVIII3, 234-240.
(23) Cf. Congregação para a Educação Católica, O
leigo católico, testemunha da fé na escola, 15 de Outubro de 1982; João
Paulo II, Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles Laici,
sobre a vocação e a missão dos leigos na Igreja e no mundo, n. 44.
(24) Cf. Congregação para a Educação Católica,
Conselho Pontifício para os Leigos, Conselho Pontifício da Cultura, Presença
da Igreja na universidade e na Cultura universitária, Vaticano 1994.
(25) Pontificium Consilium de Cultura, Centres
Culturels Catholiques, Cité du Vatican 1998; Pontificio Consiglio della
Cultura, Commissione Episcopale CEI per l'Educazione Cattolica, la Cultura, la
Scuola e l'Università, I Centri Culturali Cattolici. Idea, esperienza,
missione. Elenco e indirizzi, 2a ed., Roma, Città Nuova Editrice, 1998.
(26) Congregação para o Culto Divino e a Disciplina
dos Sacramentos, IV Instrução para uma correta aplicação da Constituição
conciliar sobre a liturgia (n. 37-40).
(27) A este respeito, é preciso sublinhar as
iniciativas de instituir cursos universitários dedicados à formação de futuros
responsáveis pelo patrimônio cultural da Igreja, por exemplo, na Pontifícia
Universidade Gregoriana (Roma), no Instituto Católico de Paris e na
Universidade Católica de Lisboa. Cf. Pontifícia Comissão para os Bens Culturais
da Igreja, Lettre circulaire sur la formation aux biens culturels dans les
Séminaires, 15 de Outubro de 1992.
(28) Cf. João Paulo II, Discurso à primeira
Assembléia plenária da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja.
(29) João Paulo II, Discurso ao Conselho Pontifício
da Cultura, OR (ed. port.) ano XIV, n. 5, p. 4.
(30) João Paulo II, Discurso ao Conselho
Pontificio da cultura, 14 de Março de 1997.
(31) Ibid.
(32) « Eu institui o Conselho Pontifício da Cultura
para ajudar a Igreja a viver o intercâmbio salvífico no qual a inculturação do
Evangelho caminha pari passu com a Evangelização das culturas ». Ibid.
(33) Criado pelo Papa João Paulo II a 6 de Novembro
de 1995, o Conselho de Coordenação das Academias Pontifícias promove a sua
colaboração conjunta para um humanismo cristão no limiar do novo milênio.
Quando da sua primeira Sessão pública, reunida sob sua presidência, a 28 de
Novembro de 1996, o Santo Padre anunciou a criação de um Prêmio anual das
Academias Pontifícias, destinado a apoiar os talentos e as iniciativas
promissoras em vista de um humanismo cristão, suas expressões teológicas,
filosóficas e artísticas. O Papa João Paulo II concedeu este prêmio pela
primeira vez no curso da Segunda sessão pública das Academias pontifícias, a 3
de Novembro de 1997.
(34) Cf. a missão e as competências confiadas ao
Conselho Pontifício da Cultura: João Paulo II, Carta Autógrafa
instituindo o Conselho Pontifício da Cultura, 20 de Maio de 1982, AAS, t.
74 (1982) 683-688, e Motu Proprio Inde a Pontificatus, 25 de Março
de 1993, AAS, LXXXV (1993) 549-552.
(35) João Paulo II, Discurso ao Conselho
Pontifício da Cultura, 15 de Março de 1997, OR (ed.
port.), ano XXVIII (1997), n. 13, p. 4 (136).
(36) Santo Atanásio, Sobre a Encarnação
do Verbo, 54, 3. PG 25, 92; Sources Chrétiennes, 199, 1973